O endividamento em Natal atingiu níveis preocupantes em junho deste ano, com os percentuais de endividados indo a 88,2% e de inadimplência a 48,6%, superiores às médias nacionais. Os dados são da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do RN (Fecomércio/RN) e apresentam um aumento significativo em relação ao mesmo período do ano passado, com o endividamento crescendo quatro pontos percentuais (84,2% em junho de 2022) e a inadimplência saltando mais de onze pontos (37,6% em junho de 2022). Esse cenário, segundo a entidade, reflete uma considerável redução no poder de consumo das famílias e, consequentemente, impacta negativamente o potencial de recuperação econômica.
A nível nacional, o endividamento dos brasileiros atingiu, em 2023, o maior índice já observado na história do País. Segundo dados divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de endividados chegou a 77,9% da população. Em maio de 2022, esse índice era de 77,4%. No entanto, em maio deste ano, subiu para 78,3%.
A CNC aponta que, além disso, a proporção de pessoas com dívidas em atraso também aumentou, passando de 28,7% para 29,1%. Outro dado preocupante é o crescimento da parcela da população que não possui condições de pagar suas dívidas, que passou de 10,8% para 11,8% no mesmo período.
O levantamento de maio de 2023, realizado pela Serasa, indica que o Brasil conta com 71,90 milhões de pessoas em situação de inadimplência. O crescimento foi de 463 mil novos inadimplentes em relação ao mês anterior. As faixas etárias com as maiores fatias da população com nome restrito são de 41 a 60 anos, representando 34,8%, e 26 a 40 anos, correspondendo a 34,7% do total de inadimplentes. A faixa etária acima de 60 anos representa 18,0%.
Segundo o presidente da Fecomércio-RN, Marcelo Queiroz, as famílias natalenses estão enfrentando essa situação de endividamento devido a uma série de fatores. “É um conjunto de fatores que passa pela queda na renda (em média 13% nos últimos doze meses, segundo dados do IBGE em número reais) do trabalhador; a falta de investimentos públicos, que impede o surgimento de novas vagas de trabalho e de oportunidades de geração de renda; e, claro, a combinação de inflação e juros em alta, encarecendo o crédito e forçando a inadimplência”, explicou o presidente da Fecomércio.
De acordo com Marcelo Queiroz, a inadimplência afeta os lojistas e as vendas de diferentes formas. Primeiramente, ocorre uma queda no poder de consumo das famílias, que passam a adquirir apenas itens essenciais e reduzem consideravelmente o valor médio das compras. Eles começam a optar por marcas mais baratas ou até mesmo deixam de adquirir certos produtos e serviços, explica.
“Na outra ponta, a inadimplência próximo aos 50% também traz impactos aos caixas dos lojistas que deixam de receber os valores e se vêm obrigados a apertar ainda mais as contas do dia a dia”, completa. E prosseguiu: “Quando muitos clientes deixam de pagar pelo que compraram todo o planejamento financeiro de um negócio pode ser comprometido. Esse impacto é ainda maior para os negócios do mercado local, principalmente as menores empresas. Aqui no Rio Grande do Norte, mais de 90% dos negócios são de micro e pequeno porte, impactando ainda mais os caixas dessas empresas”, pontuou o dirigente.
Professor dá dicas de como economizar
O professor da UFRN e economista, Willian Pereira, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, nesta quarta-feira (12), ressaltou que o Brasil passa por uma crise econômica desde 2015, agravada pela pandemia. Durante esse período, houve um aumento significativo do desemprego e uma paralisação da economia. No entanto, mesmo com a retomada das atividades econômicas, as famílias acumularam dívidas. Inicialmente, elas utilizaram recursos como rescisões trabalhistas e poupanças para lidar com a situação, mas chegou um ponto em que esses recursos se esgotaram, resultando em um endividamento contínuo.
“O fato da economia ter reduzido sua velocidade, não reduz a necessidade das famílias de realizar o seu consumo, os seus gastos. Após a pandemia, mesmo a atividade economia voltando, as famílias se endividaram”, ressaltou.
O uso do cartão de crédito e do cheque especial, segundo o economista, é particularmente preocupante, pois são formas rápidas e fáceis de obter crédito, e muitas vezes as pessoas não percebem o impacto que essas dívidas terão em sua renda. Essas formas de crédito têm taxas de juros altas, o que pode levar a um rápido processo de endividamento. O empréstimo direto ao consumidor possui taxas de juros um pouco mais baixas, mas também contribui para o endividamento das famílias.
“Normalmente os cartões de créditos são os responsáveis pelas dívidas das famílias. O cheque especial é o segundo mais perigos, porque as taxas são muito altas e também é muito rápido de ser utilizado. Esses dois tendem a ser os mais perigosos para o endividamento das famílias, devido as taxas de juros que são excessivamente altas”.
Ele afirma que “quem usa o cartão no crédito deve entender que suas despesas vão aumentar, se não for pago, as taxas de juros vão alavancar o endividamento. Então, a ideia é usar de forma muito parcimoniosa, de preferência não usar cartão de crédito. É melhor juntar o dinheiro, mas evitar o cartão de crédito, principalmente, o parcelamento. Só se usa o cartão de crédito para o vencimento e se paga a fatura total, porque se você atrasa o pagamento, isso vai virar uma bola de neve, que vai destruir o poder de consumo do cidadão”.
Segundo o Willian Pereira, diante da situação de ter o nome negativado nos órgãos de proteção ao crédito, o fundamental é “manter a calma” e lembrar que, mesmo após o prazo de cinco anos para a retirada do nome dessas listas do SPC e Serasa, a dívida continua existindo e precisa ser quitada. Segundo ele, a calma é essencial para evitar decisões prejudiciais.
Uma segunda dica é fazer um orçamento detalhado de todas as despesas. É importante analisar o que foi adquirido de forma desnecessária ou equivocada e identificar áreas em que é possível cortar gastos, economizando o máximo possível. Muitas vezes, a possível mudanças de hábitos e comportamentos pode levar a economias significativas.
Vendedor planeja utilizar 13º para quitar dívidas
Rogério Silva da Cruz, 32 anos, vendedor de cosméticos, residente no bairro Alecrim, enfrenta uma situação financeira desafiadora. Com dívidas atrasadas, incluindo a prestação do carro e da casa, ele está enfrentando dificuldades em receber comissões devido à queda nas vendas. Além disso, a pensão que ele precisa pagar está atrasada, sendo que o prazo de vencimento era no dia 10. Para tentar quitar suas contas, Rogério planeja utilizar a primeira parcela do seu décimo terceiro salário.
“Estou devendo prestação de carro, cartão (de crédito) e a prestação da casa está atrasada. Não estou ganhando comissão esses dias, porque o mercado está fraco. Vou ver se quito as contas com a primeira parcela do meu décimo terceiro salário”, explicou.
A estudante de teatro, Liza Gomes, 34 anos, é mais uma entre milhares de brasileiros que fazem parte das estatísticas de endividamento. Com o início das dívidas durante a pandemia, ela enfrentou dificuldades em encontrar emprego e viu suas dívidas crescerem gradualmente, tornando-se uma situação desafiadora de administrar. Atualmente, Liza, que mora com familiares na zona Norte de Natal, está em busca de um emprego fixo para poder organizar suas finanças.
“As minhas dívidas começaram na pandemia, foi uma atrás da outra, virando uma bola de neve. Devo ao cartão de crédito e tem um empréstimo que fiz no banco, mas como não consegui um emprego fixo, fiquei fazendo apenas bicos, trabalhos esporádicos, perdi o controle das dívidas. O meu nome foi para o SPC e Serasa. Quando eu começar a trabalhar, tenho que me programar para quitar essas contas. Pretendo fazer um acordo com as empresas. Eles sempre enviam sugestões de acordos, mas não tenho como pagar no momento”, disse.
A inadimplência e falta de dinheiro também impacta negativamente o comércio. Layane Ferreira, 23 anos, vendedora de ótica, enfrenta um declínio significativo nas vendas. Ela acredita que esse cenário possa estar relacionado às festas de São João, que impactaram negativamente o movimento de clientes. Anteriormente, Layane conseguia vender em média três ou quatro óculos por dia, mas atualmente tem dias em que vende apenas um óculos. Essa queda nas vendas tem impactado sua rotina e seu desempenho financeiro, exigindo que ela encontre estratégias para contornar essa situação e recuperar o ritmo de vendas anterior.
Tribuna do Norte